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Prólogo
Taiga
Os flocos de neve caem sobre meu pelo branco enquanto corro entre os abetos cobertos de gelo, perseguindo o cheiro agridoce da minha companheira.
Ela está perto.
Tão perto que já sinto seu gosto no céu da boca.
Tão perto que parece que meus dedos já tocam a pele negra sedosa, marcada em alguns pontos pelo vitiligo característico das fêmeas shifters de Lince Vermelho.
Tão perto que meu corpo já sente suas curvas, moldadas para me satisfazer por toda a eternidade, encaixando-se em mim.
Tão perto que me enlouquece!
— Para um urso polar, você é muito lento! — Sua risada zombeteira ecoa pela floresta vazia, incitando-me a acelerar para alcançá-la logo. — Assim, vou acabar achando que meu companheiro predestinado é um shifter lesma!
O animal dentro de mim rosna e aumenta a velocidade, batendo os pés no solo congelado com tanta força que a neve voa ao meu redor. Ele não está irritado, no entanto. Os sons que emite são de empolgação, por ter a oportunidade de se exibir para a fêmea de língua afiada. De provar que não só é capaz de alcançá-la, mas também de adorá-la e saciá-la muito além do período do cio.
Quase lá. Quase lá. Repito como um mantra enquanto corto caminho entre tsugas e pinheiros, ignorando o odor dos animais que cruzam minha trilha. Eles não me interessam neste momento.
Meu urso e eu só desejamos caçar e comer uma coisa hoje: nossa fêmea fujona.
— Tão leeeento... — Seu cantarolar provocativo revela que ela está mais a oeste do que eu esperava. Então mudo minha rota, ultrapassando uma fileira de abetos carregados de gelo.
E, como em um sonho, eu a vejo.
Está parada no meio da clareira, de costas para mim.
Devoro o corpo nu com o olhar, admirando as nádegas arredondadas e perfeitas, que imploram pelas minhas mãos e mordidas. Ela tem uma manchinha de vitiligo que parece um coração perto do cóccix!
O pescoço delgado fica exposto quando ela puxa os cachos ruivos indomáveis para o lado, e chego a babar, pensando onde deixarei a marca de acasalamento. Precisa ser em um local onde todos vejam que ela me pertence.
Meu urso ruge de desejo dentro de mim, impaciente para conquistar o que busca há tantos invernos.
Cinco anos de procura.
Cinco anos de espera.
E agora, acabou.
Eu a encontrei, finalmente!
A transformação recai sobre mim em um instante; a magia no meu sangue empurra o urso polar para dentro, permitindo que a forma humana surja e tome o controle. O som dos meus ossos se quebrando e remodelando não faz a linda mulher se virar para me encarar, mas não me importo com mais alguns segundos de antecipação para ver o rosto que tanto sonhei.
Ela está aqui. A meros três metros de mim!
Estalo o pescoço ao começar a andar em sua direção, ignorando os calafrios de frio que sobem por minhas pernas, cortando a camada alta de neve fofa recém-caída.
Dois metros.
Um metro.
Cinquenta centímetros.
— Você não faz ideia de como eu queria encontrá-la, meu coração — sussurro reverente, estendendo a mão para tocar sua pele negra e cheirosa.
— Uma pena que não seja real. — A voz doce diz, antes de ela se dissolver em uma névoa de poeira. Antes que eu consiga tocá-la.
— Não. Não. Não! — Meus gritos ecoam pela floresta, espantando os pássaros nas árvores.
A neve cai com maior intensidade, congelando meus ossos. Meu sangue. Minha alma.
— Você não é digno de tê-la, Taiga. É um usurpador. — As palavras do meu pai atingem meus ouvidos e penetram na mente confusa, destruindo o que ele não conseguiu no passado. — A Deusa nunca vai deixá-lo encontrá-la. Jamais lhe dará a paz que tanto busca, pois, no fundo, você é igual a mim. Um monstro.
***
Salto da cama com o coração batendo na garganta, por conta do pesadelo horrível que tive e se repete há cinco anos, desde que percebi que Felícia não era minha companheira. Que ela pertencia a outros machos.
Esfrego a mão na nuca úmida e vou em direção à janela fechada, precisando de ar para organizar meus pensamentos turbulentos. Para me livrar das lembranças que me atormentam.
O frio da noite bate contra meu corpo, congelando a camada de suor que cobre a pele clara, marcada pelas cicatrizes que meu pai deixou na infância e na juventude. Não sinto, no entanto, o alívio esperado.
Não há como ter paz enquanto minha companheira está perdida lá fora, fugindo de mim.
Enlouquecendo-me.
O cheiro dela está gravado no meu cérebro e na minha carne, mesmo que nunca tenhamos nos visto nesses sete anos em que venho caçando-a.
Meu desespero em encontrar a mulher — ou o que espero ser uma mulher, pois nunca me senti atraído por homens —, feita pela Deusa da Lua para se encaixar em mim, foi o único motivo pelo qual aceitei o acordo do Alfa de Juneau, Orion Donavan.
“— Se eu achar sua companheira, prometo entregá-la com um laço na cabeça. Mas, em troca, você me dará sua palavra de alfa de que não irá entrar novamente em minhas terras sem meu consentimento. Também apoiará minha entrada para o Conselho dos Shifters nesta próxima reunião.”
Esse foi o nosso combinado. O vínculo de sangue que firmamos.
Mantenho-me longe do território dele e, em troca, Orion encontra e me entrega a fêmea fugitiva. Quando ela estiver em meus braços, eu o ajudarei a conquistar seu lugar no Conselho dos Shifters, o grupo formado pelos alfas mais fortes e influentes do mundo, responsáveis por estabelecer as regras que regem todos os metamorfos.
Sei que foi um bom acordo. Além de conquistar minha companheira predestinada, ainda ficarei em bons termos com o alfa apadrinhado pela Deusa da Lua — algo que eu mesmo comprovei na caverna, quando os dois se provocavam como velhos conhecidos.
Não posso negar que invejo Orion. Ele teve tudo entregue em uma bandeja de ouro, por assim dizer. Conquistou poder, companheiros e filhotes. Isso em um único ano! Pelo que sei, não teve grandes perdas ou sacrifícios. Com a ajuda da Deusa, tornou-se o alfa de uma matilha poderosa.
A Deusa que nunca me escutou, mesmo quando berrei por clemência...
Não acho que Orion mereça estar no Conselho dos Shifters. Ele não sabe o que está fazendo. Felícia e Dalton é que controlam a matilha e o guiam, segundo as histórias que escutei. Será só mais uma coisa que ganhará sem esforço.
Solto um suspiro e me afasto da janela, cansado de olhar para a floresta escura, onde minha companheira supostamente está se escondendo. Permanecer aqui não servirá a propósito algum. Vou continuar sem encontrá-la, remoendo minha inveja, que já alcançou um nível perigoso.
Não é culpa de Orion ter conseguido tudo que sempre almejei e não alcancei. É só que... eu queria tanto a vida que ele tem!
Uma companheira bonita e obediente.
Uma matilha que o aceita sem reservas.
Um pequeno bando de filhotes bagunceiros para alegrar a casa.
Mais poder e amor do que se pode sonhar.
A verdade é que, não importa o quanto eu lute, não chego nem perto de alcançar as coisas que ele conquistou com tanta facilidade!
Estou no controle do bando de Alk bay há anos, mas eles me rejeitam. Esperam de mim as atitudes que meu pai teria: crueldade, frieza e arrogância. Não. Eles esperam que eu seja ele, algo que não sou. Ou, pelo menos, tento não ser...
Apesar de tudo que meu pai me fez, minha alma não se quebrou. Eu não ultrapasso as barreiras éticas para conseguir o que desejo. Será que esse é o problema? O que me impede de conquistar o que tanto anseio?
Encaro a cama bagunçada, sentindo enjoo só de pensar em voltar a me deitar. O relógio na mesa de cabeceira marca três e dezessete. É cedo demais para esperar notícias do beta que Orion prometeu conseguir para encontrar minha mulher.
Faz três dias desde o nosso encontro na caverna. No entanto, descobri ontem, ao mandar uma mensagem para o alfa, achando que ele já teria alguma atualização satisfatória, que a busca por minha companheira nem havia começado!
Begay, o tal beta que conhece a floresta de Juneau de cabo a rabo, está esperando seu amigo Asher, um lobo especialista em rastreamento, que chegará pela manhã.
Ergo a cabeça e olho, mais uma vez, para o céu escuro. Faltam poucas horas para o sol nascer e se tornar "manhã".
Poucas horas para eles iniciarem a caçada pela minha companheira.
Uma caçada que eu fracassei em cumprir.
O urso rosna em meu interior, furioso e humilhado por não ter conseguido. Por não poder continuar sua busca, que sempre termina em árvores.
— Só mais um pouco, e ela estará em nossos braços — murmuro para o quarto vazio, tentando acalmar o animal inquieto. — Nossa ômega obediente e dócil, que nos dará tantos filhotes quanto for possível e aquecerá os lençóis nas noites mais geladas de Alk Bay.
O rosnado do animal, desta vez, é de satisfação diante da ideia maravilhosa.
Mesmo sem querer, forço-me a voltar para a cama. Sei que, se dormir, terei de novo o pesadelo, mas, pelo menos, não passarei horas a fio observando o céu clarear, ansioso por uma mensagem que nem sei se chegará hoje.
Só mais um pouco. Repito, fechando os olhos.
E então eu não estarei mais sozinho...